quarta-feira, 6 de abril de 2011

Maquiavel e Washington, Meios e Fins

Nos tempos nefastos em que vivemos na política nacional, aparecem mais e mais análises que aproximam a atitude da cúpula petista da frase "os fins justificam os meios", atribuída a Maquiavel.

Ora, Maquiavel nunca escreveu isto. A frase é traduzida, incorretamente, da sua obra mais conhecida, O Príncipe, mas o que realmente está escrito é que "os meios são determinados pelos fins que alguém busca atingir", ou "pelos fins que se procuram atingir". Não é a mesma coisa.

George Washington, por exemplo, repetia a máxima "Exitus acta probat", a qual também é incorretamente traduzida como "o êxito faz aprováveis os atos", como se nossos atos dependessem do sucesso para serem moralmente aprovados ou reprovados. Tradução melhor é: "o resultado comprova o ato" nossos atos só aparecem no resultado, o resultado é a prova de termos realizado o trabalho (segundo quem conhece melhor a língua, Dr. Joaquim Pereira, meu pai, exitus vem de ex ire: aquilo que se extrai do que se foi, o resultado).

Tem uma certa confusão, que a gente vê nas duas citações, entre explicação e justificação.

Explicação tem a ver com os fatos, com o juízo de verdadeiro ou falso, com relação de causa e efeito ou de possibilidade. Quando uma coisa leva a outra, dizemos que a explica. Explicamos o comportamento de alguém por entendermos suas causas, mesmo que discordemos das suas motivações. É possível entender, por exemplo porque José Dirceu continua suas negativas hipócritas, apesar de achar o comportamento indigno no cargo.

Já a justificação é diferente, tem a ver com valores como a justiça, envolve um juízo de justo ou injusto, no campo da moral ou da ética. Quando um comportamento é visto como próximo do bem (oposto ao mal), estamos julgando este comportamento como correto, justificando o dito cujo. O primeiro Procurador Geral da República indicado por Lula, Dr. Cláudio Lemes Fonteles, por exemplo, teve conduta sempre muito mais justificável que seus antecessores. Mesmo sendo nomeado pelo Presidente, agiu com independência e dignidade no exercício do cargo, sem se alterar pelas conveniências políticas.

Explicamos os comportamentos pelos fatos, para entendê-los. Depois os comparamos com nossos valores de justiça, para ver se são ou não justificáveis. Dá para ver que são coisas fáceis de se confundir, mas muito diferentes.

Washington só estava dizendo, em latim, que nossas ações não são provadas antes do resultado. O resultado alcançado prova, por si só, que fizemos o necessário para alcançá-lo. Não vai aí qualquer julgamento moral, só a idéia de que o valor do esforço é proporcional ao prêmio. Apesar da autoria de Ovídio, o ditado parece bem americano, mesmo.

Agora dá para entender melhor a frase de Maquiavel, que os fins determinam os meios, não os justificam. O que ele está falando é que devemos levar em conta nossos objetivos ao planejar como agir, é que nossos comportamentos devem levar em conta os objetivos que buscamos atingir. A justificação leva em conta outros critérios, como vimos. Maquiavel não discute se os seus conselhos para o Príncipe são morais ou não, aliás esta foi a grande contribuição dele para a ciência política: narrar as coisas como elas são, não como deveriam ser. Ele explica o comportamento mais adequado para determinados objetivos, não busca justificativas.

No caso específico dos dias sombrios que nos cercam, aplicar ao governo Lula a idéia de justificar os meios pelos fins dá a entender que sua administração tem sido extraordinária. Fica parecendo que seus objetivos, estupendos, poderiam justificar meios também extraordinários de ação. Mas os objetivos ordinários aos quais se propôs nem mesmo explicam os atos indizíveis.

Se o estudo de Maquiavel não ajudaria a entender a embrulhada, muito menos a máxima de Washington. Manter a economia inteira canalizando recursos para o lucro obsceno dos bancos, sem a mínima democratização institucional - este não é propriamente um sucesso que comprove grande esforço.

© 2005 - Ms. Luiz Marcello de Almeida Pereira - Advogado. Ms. em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Professor de Direito Constitucional em diversas Universidades, também ministrando aulas em cursinhos para exames da Ordem e Concursos Públicos.

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