terça-feira, 10 de maio de 2011

As redes sociais e o ambiente de trabalho

Do UOL

Companhias tentam controlar as opiniões de seus funcionários nas redes sociais

EL PAÍS

Ramón Muñoz
Em Madri (Espanha)

Iniciar a sessão no Twitter depois de uma discussão com o chefe, ou procurar no mural do Facebook um desafogo depois de um dia de trabalho pouco reconfortante podem ser decisões fatais. As redes sociais são coisa do diabo porque nelas, à diferença de outras mídias, a fronteira entre o privado e o público é tão sutil que é quase impossível discernir se um comentário crítico sobre a empresa para a qual trabalhamos faz parte da liberdade de expressão na esfera da intimidade ou pode ser considerado um ato de indisciplina.


Um Twitter ácido contra um superior, ou outro no qual se critiquem as condições de trabalho, pode representar uma sanção ou a demissão. A pouca idade das redes sociais impede que exista uma legislação concreta sobre o assunto. Por isso vai se acumulando uma jurisprudência fruto de sentenças isoladas, muitas delas contraditórias, pelo uso inadequado desses poderosos instrumentos de comunicação.


As empresas vigiam cada vez mais as opiniões de seus empregados nas redes sociais, que também se transformaram em uma plataforma de marketing para as firmas. No Twitter, 94,87% dos usuários seguem alguma empresa, segundo um estudo da Associação Espanhola da Economia Digital. E são cada vez mais as que aplicam códigos internos de conduta para impedir que a inspiração literária de seus funcionários prejudique sua imagem corporativa ou crie um clima interno negativo.

No caso dos meios de comunicação, o debate se amplia ainda mais, pois a matéria com que seus empregados trabalham é a informação e a opinião. Veículos tão poderosos como The Wall Street Journal, The Washington Post, BBC, Reuters ou Bloomberg redigiram normas estritas para seus jornalistas. Revelar fontes, divulgar opiniões contrárias à linha do veículo ou empregar uma linguagem inadequada são algumas de suas proibições. Elucidar se fazem parte do controle editorial ou são uma forma sibilina de censura começa a ser matéria de debate entre a profissão.

Nos EUA, berço das redes sociais mais populares, o debate também avança. Dawmarie Souza, funcionária de uma companhia de ambulâncias de Connecticut, foi demitida no ano passado depois de publicar no Facebook um comentário descritivo sobre seu chefe (o qualificou com o código usado para os pacientes psiquiátricos). A Junta Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB na sigla em inglês), órgão governamental que vigia as práticas trabalhistas injustas, processou a American Medical Response, empresa em que Souza trabalhava, por entender que a política que impunha a seus trabalhadores de publicação na Internet era "vaga demais" e "continha dispositivos ilegais". A NLRB estimou que os empregados também têm na Internet o direito a comentar "os termos e condições de seu emprego com os demais". A empresa se dobrou e em fevereiro passado chegou a um acordo monetário com a funcionária. O fato de o comentário ter sido feito na casa dela e com uma conta pessoal foi decisivo.

Menos sorte teve Kimberley Swann, uma jovem inglesa de 16 anos que qualificou em seu perfil no Facebook de "dia muito aborrecido" sua primeira jornada de trabalho nos escritórios da Ivell Marketing & Logistics. Seu chefe quis evitar que continuasse se aborrecendo e a demitiu de modo fulminante, apesar de a funcionária em nenhum momento ter mencionado o nome da empresa. No Facebook criou-se um grupo de apoio a sua causa.

Na Espanha, a Generalitat (governo provincial) da Catalunha suspendeu por três meses o professor de latim de uma escola de El Morell (Tarragona), por ter feito comentários insultuosos ou intimidantes contra o diretor e outros professores através do Facebook, ao mesmo tempo que pedia a seus alunos que aderisse à campanha.

"Não há norma que regulamente esse tema expressamente. O conflito de alguns anos sobre se as empresas podiam espionar ou não o correio eletrônico de seus funcionários [o Tribunal Supremo resolveu em 2007 que grampear os e-mails é invasão da intimidade] se transferiu agora para as redes sociais, embora neste caso seja mais complicado decidir entre o uso pessoal e o profissional. Mais que uma lista de normas estritas, as empresas devem articular uma série de regras simples para ajudar seus empregados a não agir errado", opina Jesús Herranz, gerente de novas tecnologias da BDO Abogados.

Nesses conflitos não se decide uma sanção disciplinar, contida na norma trabalhista, como as que sofreram dezenas de trabalhadores por faltar ao trabalho e depois publicar imprudentemente no Facebook fotos de noites de farra. Aqui se trata de opiniões pessoais, comentários entre colegas como os que são feitos na máquina de café ou enviados por e-mail e por torpedos, mas utilizando como canal as redes sociais. E seu controle fica à mercê da arbitrariedade e da casualidade de que um chefe ou colega o veja e o divulgue, pois a maioria das empresas não tem normas específicas.

De fato, uma pesquisa da consultoria Manpower Professional revela que 75% dos empregados afirmam que suas empresas não têm uma política formal sobre o uso das redes sociais no trabalho. "Isso sugere que uma ampla maioria de empresas está adotando a posição de esperar para ver o que acontece antes de desenvolver suas próprias políticas sobre o uso das redes sociais", diz o estudo.

"De acordo com artigo 20 do Estatuto de Trabalhadores, o que o empregado fizer dentro da jornada ou na representação da empresa entra no contrato, e se aplica a boa-fé contratual, isto é, ele deve cumprir fielmente seu contrato e evitar causar danos à empresa com seu comportamento, como prejudicar sua reputação corporativa. É aqui que se deve distinguir entre o que alguém diz em uma rede social como cidadão amparado pela liberdade de expressão e o que diz como representante de uma empresa. E aqui novamente, e com um traço grosso, e que cabe distinguir o que se diz em uma conta corporativa, na qual aparece o cargo que ocupa, do que se diz em uma pessoal, na qual não se inclui o cargo", diz Paloma Llaneza, advogada especialista em novas tecnologias.

O panorama está mudando. As empresas são conscientes de que sua imagem depende da rede. E de que para cuidar dela é muito mais importante que seus empregados se expressem apropriadamente no Facebook ou Twitter do que usar terno e gravata. Apostam muito nisso. Mesmo que só seja porque 83,4% dos internautas utilizam alguma rede social (última pesquisa da Ocio Networks).

Para controlar e administrar essas ferramentas sociais em benefício das empresas, tanto interna como externamente, nasceu uma nova profissão, os "community managers" [gerentes de comunidade], cuja demanda se multiplicou por oito em 2010, segundo o relatório da agência de empregos online Infojobs.

E não só as empresas. Também os trabalhadores precisam se transformar em seus próprios "community managers" e cuidar de seus perfis na Internet. As redes sociais podem servir para encontrar um emprego ou como trampolim na carreira profissional. Retuitar as ocorrências do chefe ou comentar elogiosamente as fotos de suas férias no Facebook se transformou em um clássico.

"As empresas também vão à rede buscar informação sobre os possíveis candidatos: o currículo é a fonte principal, mas não a única. Devemos ter muito presente o que a rede diz sobre nós: administrar nossa reputação online. É importante estar nessas redes, mas sempre cuidando da informação que oferecemos sobre nós", diz Marcela González, da Infojobs.

O conluio entre empresa e empregados pode ser inevitável. "Estão em jogo dois tipos de direitos, os de expressão e de privacidade do trabalhador e o direito patrimonial da empresa a não sofrer danos imateriais, como podem ser a reputação mercantil ou a imagem diante dos consumidores. Não há uma legislação sobre uso laboral de novas tecnologias nem sobre preconceitos que a empresa possa sofrer por causa de opiniões de trabalhadores nem em meios tradicionais nem eletrônicos. Mas há uma extensa doutrina judicial por transgredir a obrigação legal de boa-fé, e a ela recorrem às vezes os empresários para justificar demissões por danos. Os convênios coletivos que regulamentam o uso de novas tecnologias são uma via adequada para buscar uma confluência de interesses", indica Pepe Callejas, do Gabinete Técnico Confederal da UGT.

No caso dos meios de comunicação, esse conluio de direitos se aguça. Twitter e Facebook se transformaram em ferramentas de difusão de notícias e opiniões, um canal instantâneo muito mais ágil e universal que as próprias mídias. Mas também muito mais livre. E isso incomoda a mídia.

Depois de 20 anos na CNN, a jornalista especializada em Oriente Médio foi demitida depois de escrever no Twitter um comentário elogioso sobre um religioso xiita. "É triste saber da morte de Sayyed Hussein Fadlallah, um dos gigantes do Hizbollah, ao qual respeito muito." Apesar de ter-se desculpado, a rede americana manteve a sanção por entender que ela havia comprometido sua "credibilidade" e a do veículo.

Para evitar esses incidentes, alguns veículos criaram código sérios. "Todos os jornalistas do The Washington Post devem renunciar a alguns de seus privilégios como cidadãos particulares e assumir que suas mensagens em qualquer rede social são, para efeitos práticos, equivalentes ao que aparece embaixo de sua assinatura no jornal ou em nosso site", começa o manual. O prestigioso jornal não só proíbe seus repórteres de "escrever ou publicar qualquer coisa que possa refletir uma parcialidade ou favoritismo político, racial, religioso ou sexual", como lhes proíbe tornar-se seguidores ou unir-se a grupos dessas redes que sejam suscetíveis de manchar a credibilidade do órgão.

A agência Reuters deixa ainda mais claro para seus jornalistas: "A distinção entre o privado e o profissional quase não existe, e você deve assumir que o pessoal e o profissional nas redes sociais é uma só atividade, não importa o quanto se esforce para mantê-las separadas". A agência financeira Bloomberg orienta seus jornalistas com uma advertência: "Primeiro pergunte; depois tuíte". Quase todos esses veículos proíbem expressamente divulgar fontes, comentar a elaboração das notícias ou manter um debate com os leitores ou com veículos rivais.

Alguns jornalistas entenderam que com essas normas é preferível renunciar a ter um perfil na rede social. Foi o que aconteceu com o chefe de redação do Post, Raju Narisetti, que se apagou do Twitter depois de ser advertido por causa de um comentário crítico sobre a escassez de recursos para a saúde. Outros veículos como The New York Times aplicam uma autorregulamentação, deixando seus profissionais de mãos livres.

"Em relação aos jornalistas, quando não estiverem escrevendo em um veículo, representando-o ou atuando como independentes, não estão cobertos pelo direito à informação e sim pelo geral da liberdade de expressão", diz Llaneza.

Ser popular e engraçado no Twitter ou no Facebook é importante. Mas antes de escrever lembre que seu seguidor e seu amigo mais vigilante é seu chefe.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

fonte:http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/as-redes-sociais-e-o-ambiente-de-trabalho#more

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